ESPECIAL ABCP: As ações de Alagoas no enfrentamento à pandemia

Este é o vigésimo sexto texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

Este é o vigésimo sexto texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!

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Alagoas: distanciamento controlado, flexibilizações e interiorização da pandemia de covid-19

Nome dos(as) autores(as) e instituição a que estão vinculados(as): Luciana Santana e Emerson do Nascimento – Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: (Luciana) Doutora em Ciência Política pela UFMG; (Emerson) Doutor em Ciência Política pela UFPE

Região: Nordeste

Governador (Partido): Renan Filho (MDB)

População: 3.337.357

Número de municípios: 102

Casos confirmados em 16/07/2020: 48.734

Óbitos confirmados em 16/07/2020: 1.348

Casos por 100 mil hab.: 1.460,3

Óbitos por 100 mil hab.: 40,4


* Por: Luciana Santana e Emerson do Nascimento

Em texto anterior publicado pelo Nexo analisamos as medidas adotadas pelo governo de Alagoas nos dois primeiros meses [1] de enfrentamento da pandemia de Covid-19. Respostas rápidas por parte do governo [2] estadual, ações alinhadas junto à prefeitura da capital, disposição cooperativa de diálogo com municípios e a priorização de ações de aporte científico no processo de tomada de decisões foram importantes para o planejamento de ações e estratégias de combate ao novo coronavírus. 

Entretanto, apenas essas medidas não foram suficientes para conter a alta explosiva do número de contaminados e de óbitos registrados a partir da segunda quinzena de abril até a segunda quinzena do mês de junho. Foi justamente neste período quando se observou, à despeito do esforço coordenado da gestão de estado, o impacto que as baixas taxas de isolamento social, especialmente na capital, Maceió, tiveram sobre o comportamento epidemiológico do vírus. Ao longo desse período, por exemplo, a taxa de isolamento social em Alagoas oscilou em torno dos 42%, de acordo com dados do Portal Inloco. 

Em seguida, a rápida expansão da doença para municípios no interior do estado, conforme texto publicado em junho no site da ABCP, também chamou bastante a atenção, especialmente por causa das condições socioeconômicas nas quais a maior parte dos municípios estão inseridas. No presente momento, as condições no interior do estado ainda são bastante preocupantes visto que, a partir da relativa estabilização dos números de contaminados e mortos na capital, as cidades do interior passaram a ocupar o epicentro da pandemia em Alagoas.  

O processo de interiorização da Covid-19 levou cerca de 75 dias para alcançar 101 dos 102 municípios que compõem o território alagoano. Somente após 108 dias do primeiro registro em Maceió, Mata Grande, município do extremo sertão alagoano, confirmou seu primeiro caso. A expansão da pandemia para o interior do estado tornou-se particularmente preocupante, primeiro, em função da rede de interdependência econômica e social que liga os municípios e, depois, pelas próprias limitações estruturais destes municípios.

A grande maioria dos municípios interioranos do estado de Alagoas são diretamente dependentes da rede de atendimentos hospitalares disponível na capital, à exceção de Arapiraca, por exemplo, segunda maior cidade do estado, visivelmente melhor equipada de aparelhos e insumos para o enfrentamento da pandemia. Essas limitações dos municípios menores é preocupante porque a expansão do vírus no interior acaba por impactar, diretamente, o sistema de saúde da capital.    

Mas como estamos agora? Qual a situação da pandemia no estado? As medidas de enfrentamento têm sido mantidas? Quais mudanças ocorreram? Como o governo estadual está conduzindo o problema mais recentemente? 

Segundo informações disponibilizadas pelo governo do estado, Alagoas tem, atualmente [3], 48.734 casos confirmados e 1.348 mortes por Covid-19. Uma informação que deve ser destacada e não pode ser desconsiderada é o fato de que mais testes vêm sendo realizados. Há informação da realização de 40.488 testes até a presente data [4].

Esse registro é importante, haja vista que o estado começou aplicando um número muito inexpressivo de testes no começo da pandemia. Uma ressalva ainda a ser feita, no entanto, é que, destes números de testagem, 19.533 são de registros de testes rápidos que, em função da dificuldade de captação da janela imunológica do vírus, podem resultar ainda em números não suficientemente confiáveis. Nos mapas abaixo é possível observar espacialmente as taxas de infecção e taxa de letalidade nos municípios alagoanos. 

al 1

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A análise dos registros diários de contaminados e mortos por Covid-19 no estado na última semana não nos permite afirmar que Alagoas esteja registrando qualquer sinal de redução de casos, todavia, o cenário geral parece apontar para uma relativa estabilização dos números no estado.

No plano agregado, a redução dos registros na capital, tanto de contaminação, quanto de letalidade, tem sido suplantada, por enquanto, pelo avanço da pandemia nas cidades do interior. De acordo com os dados do último boletim da Secretaria de Saúde do estado, por exemplo, os casos no interior têm sido superiores aos da capital. Das 17 mortes por Covid-19 registradas nas últimas 24 anos no estado, 5 foram na capital e 12, somente no interior.  

À despeito do cenário de estabilidade, pode se observar que houve uma leve melhora do sistema de saúde, no que compreende a disponibilidade de leitos para tratamento de Covid-19. A taxa de ocupação de leitos [5] de UTI no estado, que chegou a 95% no dia 29 de junho último, hoje, está em 60% dos 268 leitos de UTI disponíveis, 29% dos leitos de tratamento intermediário (concentrados na capital) e 32% dos leitos clínicos.

São basicamente estes indicativos de desafogamento do sistema de saúde que têm estimulado o governo do estado a dar início a um processo de implantação de medidas de isolamento controlado e flexibilização das condições de segurança, especialmente, em Maceió, onde a pandemia parece dar os primeiros sinais de arrefecimento. 

Em 22 de junho de 2020 [6], o governo do estado de Alagoas emitiu o decreto de número 70145 que contemplou a aprovação de um Plano de Distanciamento Controlado com a definição de cinco fases, classificadas pelas cores vermelha (risco elevado); laranja (risco moderado alto); amarela (risco moderado); azul (risco moderado baixo) e verde (risco controlado). Esta classificação leva em consideração três eixos estratégicos para orientar a tomada de decisões quanto a flexibilização de atividades e serviços no estado: 

  1. Utilização da capacidade hospitalar instalada [7]
  2. Evolução epidemiológica [8]
  3. Taxa de evolução da Covid-19 [9]

Para complementar as diretrizes apresentadas no Plano, uma matriz de risco foi publicada no dia 26 de junho, através do decreto estadual de número 70177

Dentro do modelo classificatório dos decretos mencionados acima, até junho, Alagoas encontra-se na fase vermelha. No dia 30 de junho, no entanto, um novo decreto (decreto 70178) dividiu o estado, estabelecendo uma espécie de aplicação territorializada do decreto. A partir de então, a capital seguiu para a fase laranja, enquanto os municípios do interior permaneceram na fase vermelha.

E quais foram as mudanças na capital? Foi autorizada a reabertura de lojas de ruas com até 400m² (exceto shopping centers, galerias e centros comerciais); salões de beleza e barbearias com capacidade de atendimento reduzida em 50%; além de templos, igrejas e demais instituições religiosas com funcionamento reduzido em 30% de sua capacidade. 

Com o aparente controle de ocupação de leitos e a redução no número de casos e mortes na capital, no intervalo de 15 dias, estima-se que o governo do estado realize uma nova avaliação e, então, novas flexibilizações poderão vir a ser permitidas na capital, seguindo Maceió para a fase amarela, a partir do dia 20 de julho.

E o que muda nessa nova fase? Será liberada a abertura de shoppings centers, de bares e restaurantes, com 50% da capacidade, e seguindo um protocolo sanitário. Os templos e igrejas avançam para 50% da capacidade, pois na fase anterior haviam sido liberados com 30% da capacidade

As mudanças não se limitaram à capital. Alguns municípios da região metropolitana e da região do litoral norte do estado saíram também da fase vermelha para a fase laranja: Barra de Santo Antônio, Barra de São Miguel, Coqueiro Seco, Flexeiras, Marechal Deodoro, Messias, Paripueira, Pilar, Rio Largo, Santa Luzia do Norte, Satuba, Jacuípe, Japaratinga, Maragogi, Matriz de Camaragibe, Passo de Camaragibe, Porto Calvo, Porto de Pedras, São Luiz do Quitunde e São Miguel dos Milagres.

Considerando que estes são, na sua grande maioria, municípios litorâneos de forte apelo turístico e sendo ainda o turismo uma das atividades mais importantes do estado, além de uma das atividades econômicas mais afetadas pela pandemia, a flexibilização das medidas de controle desses municípios alinha-se à pressão dos grupos econômicos locais. Será uma nova fase para a retomada das atividades no setor em municípios litorâneos e a expectativa de arrecadação dos estados e municípios. 

As demais cidades, sobretudo do agreste e sertão do estado, seguem na fase vermelha. A decisão do governador por acompanhar prognósticos diferentes para cada região do estado é consoante à avaliação das especificidades locais no tratamento das condições de isolamento e de segurança, todavia, a decisão amplia a pressão por uma retomada em grande escala por todo o estado.

Esta medida continua imprimindo custos políticos que têm se avolumado junto ao tabuleiro político das eleições municipais que se avizinham. A falta de diretrizes mais objetivas do governo federal também não ajuda ao longo desse processo, visto que amplia sensivelmente a visibilidade do governador frente à gestão da pandemia.

Há muitos dilemas no processo de tomada de decisão por parte do governo do estado. Embora o plano apresentado de isolamento controlado e flexibilização do estado se baseie em critérios importantes de serem observados, não podemos desconsiderar que o timing das novas decisões tem sofrido pressões dos setores econômicos e dos governos locais, cada vez mais, incapazes de manter e estender medidas rígidas de controle e isolamento das comunidades.

Destaquemos que, ao contrário de outros estados, mesmo nos momentos mais críticos da pressão política pelo cumprimento do isolamento social, no pico da pandemia na capital, o estado de Alagoas foi, desde o começo, uma das unidades federativas que mantiveram as taxas mais baixas de isolamento social. 

A adoção de novas medidas requer cautela e muita vigilância. A aparente estabilização do número de registros de contágio e de mortes por Covid-19 não oferece ainda qualquer garantia de controle destes números. Qualquer precipitação pode trazer custos humanos muito altos, sobretudo para estados como Alagoas, que já lidam com um panorama social bastante vulnerável.

É neste sentido que o 9º boletim publicado pelo Comitê Científico aponta para a necessidade de que o governador de Alagoas guarde cautela e vigilância na aprovação deste modelo de distanciamento controlado e de flexibilização das medidas de segurança, haja vista que o Comitê tem chamado atenção para a possibilidade de ocorrência do que alguns especialistas têm chamado de efeito bumerangue. Esse risco consistiria na ameaça da possibilidade de emergência de uma avalanche de novos casos de contaminação e, subsequentemente, de mortes causadas pela Covid-19 em função dos efeitos do afrouxamento das medidas de segurança. 

O Consórcio Nordeste, em consonância ao que prescreve a Organização Mundial da Saúde, tem destacado o risco de medidas precipitadas de abertura do comércio e de outros espaços propensos à promoção de aglomerações. Cidades como Recife, Fortaleza e São Luís têm dado vazão a planos de flexibilização econômica, a exemplo do que agora se realiza em Alagoas.

A principal crítica a essas decisões é a falta de orientações objetivas que possam amparar e nortear essas medidas. Na prática, o argumento tem sido apoiado, de forma simplória, na estabilização de registros e na redução de buscas por leitos, especialmente, de UTI. Todavia, o período de controle da avaliação da propagação do coronavírus é demasiado restrito, como ponderam os epidemiologistas, e, portanto, mostra-se ainda insuficiente para amparar previsões seguras que garantam, de fato, a involução da pandemia. 

Passados mais de 120 dias desde a decretação da pandemia pela Organização Mundial da Saúde, não sabemos ainda quão distante estamos ainda do fim, mas podemos observar que o novo coronavírus parece oferecer os primeiros indícios de controle em termos de expansão. Espera-se, no caso de Alagoas e de outros estados, também, que os governadores possam mostrar resiliência neste momento, quando as pressões políticas em favor da flexibilização das atividades econômicas se avolumam.

Essa pressão pela abertura econômica tem ameaçado sobretudo os estados pequenos como Alagoas que têm sofrido com perdas de arrecadação na faixa dos 100 milhões de reais, que fazem com que o estado, mesmo com o amparo da ajuda emergencial do governo federal, não consiga reparar as perdas de arrecadação nos últimos quatro meses. É preciso que governos estadual e municipal permaneçam rigorosos na manutenção das medidas de controle, mas faz-se cada vez mais importante que priorizem a saúde da população em detrimento de qualquer abertura precipitada que possa provocar efeitos deletérios a posteriori.   

Referências bibliográficas:

[1] Foram consideradas as medidas adotadas entre o dia 12/03/2020 e o dia 04/05/2020: Decreto nº 69.501, de 13 de março de 2020, Decreto nº 69.577, de 28 de março de 2020, Decreto nº 69.624, de 6 de abril de 2020, Decreto nº 69.700, de 20 de abril de 2020, Decreto nº 69.722, de 4 de maio de 2020.

[2] Vídeo do governo do estado informando sobre as medidas de enfrentamento à pandemia em Alagoas: http://www.agenciaalagoas.al.gov.br/noticia/item/32454-governador-renan-filho-faz-pronunciamento-sobre-medidas-contra-o-coronavirus

[3] Dados atualizados em 16 de julho de 2020 e disponíveis no Painel Alagoas: http://www.dados.al.gov.br/dataset/painel-covid19-alagoas

[4] Dados atualizados em 16 de julho de 2020 e disponíveis no Painel Alagoas: http://www.dados.al.gov.br/dataset/painel-covid19-alagoas

[5] Dados atualizados em 15 de julho de 2020. Os dados de ocupação dos leitos no estado é atualizada diariamente e disponibilizada diariamente no site: http://www.alagoascontraocoronavirus.al.gov.br/ .

[6] Nove decretos editados anteriormente: Decreto Estadual nº 69.527, de 17 de março de 2020, Decreto Estadual nº 69.529, de 19 de março de 2020, Decreto estadual 69.530, de 19 de março de 2020, Decreto Estadual nº 69.541 de 20 de março de 2020, Decreto Estadual nº 69.577, de 28 de março de 2020, Decreto Estadual nº 69.624, de 6 de abril de 2020, Decreto Estadual nº 69.722, de 4 de maio de 2020, Decreto Estadual nº 69.844, de 19 de maio de 2020, Decreto Estadual nº 69.935, de 31 de maio de 2020, Decreto Estadual nº 70.066 de 09 de junho de 2020.

[7] Significa a ocupação de leitos exclusivos para COVID-19 (coronavírus), sendo este eixo composto por 3 (três) indicadores: a) Taxa de Ocupação de Leitos com respiradores: percentual de ocupação de leitos com respiradores da rede hospitalar exclusiva para pacientes com COVID-19), sendo a soma de leitos de UTI mais os leitos intermediários; b) Taxa de Ocupação de Leitos Geral: percentual de ocupação de leitos da rede hospitalar exclusiva para pacientes com COVID-19, sendo os leitos com respiradores mais os leitos de enfermaria; e c) Quantidade de Leitos com respiradores por 100 (cem) mil habitantes: quantidade de leitos com respiradores exclusivos para pacientes com COVID-19 para cada grupo de 100 (cem) mil habitantes.

[8] Serão verificados a evolução do número de óbitos no Estado de Alagoas, tendo como indicadores: a) Óbitos por Semana Epidemiológica: total de óbitos confirmados somados aos óbitos em investigação por COVID-19 ocorridos naquela semana; e b) Taxa de Letalidade: índice de morte em pacientes confirmados com a doença.

[9] Evolução da COVID-19, avaliada pelo seguinte indicador: a) Razão de casos ativos por casos recuperados.

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