Este é o vigésimo quinto texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!
Este é o vigésimo quinto texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!
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Bahia: novos conflitos e tensões na governança do enfrentamento à Covid-19 e na definição das medidas de flexibilização da quarentena
Nome dos(as) autores(as) e instituição a que estão vinculados(as): Carla Galvão Pereira Arantes (UFBA); Cláudio André de Souza (UNILAB) e Rafael de Aguiar Arantes (UFBA)
Titulação dos(as) autores(as) e instituição em que a obtiveram: Doutorado em Ciências Sociais (UFBA)
Região: Nordeste
Governador (Partido): Rui Costa (PT)
População: 14.873.064 (IBGE, 2019)
Número de municípios: 417
Casos confirmados em 15/07/2020: 112.993
Óbitos confirmados em 12/07/2020: 2.638
Casos por 100 mil hab.: 759,72
Óbitos por 100 mil hab.: 17,74
* Por: Carla Galvão Pereira Arantes, Cláudio André de Souza e Rafael de Aguiar Arantes
Conforme discutido nas últimas edições desta série especial, o governo da Bahia vem se destacando na implementação de ações de cooperação com os municípios do estado, em especial com Salvador, que se expressou numa governança de crise relativamente bem-sucedida. Entretanto, nas últimas semanas novos desafios vêm surgindo.
A curva de contágio da Covid-19 permanece ascendente em diversas cidades baianas, como nos municípios da Região Metropolitana de Salvador (RMS), Feira de Santana, segunda maior cidade da Bahia, e em 30 municípios, que nos últimos dias tiveram um crescimento acima de 100% no número de casos.
Segundo o governador, o estado sofreu o “Efeito São João” [1], com o deslocamento de uma parte da população para os municípios do interior. Mesmo com o cancelamento das festas juninas e a antecipação do feriado para maio, diversas cidades tiveram aglomeração e movimentação considerável de visitantes nesse período.
Destaca-se também uma migração de retorno de baianos que viviam em grandes centros e, sem trabalho e renda, têm voltado aos seus municípios de origem, muitas vezes em ônibus clandestinos devido à suspensão do transporte intermunicipal e interestadual em diversas regiões do estado. Em algumas cidades esse fenômeno implicou em um acréscimo de até 10% em sua população. Esses fatores podem ter contribuído para uma interiorização da pandemia no estado.
A Bahia se encontra em um período com o maior número de casos confirmados e de óbitos por dia, como é possível observar nos gráficos abaixo, o que tem levado o governo a coordenar ações junto aos municípios por meio de decretos e na gestão da rede pública de saúde.
Nos últimos dias, o governador realizou diversas reuniões virtuais com os prefeitos e ressaltou que “a parceria entre estado e municípios é fundamental para que possamos, juntos, vencer o coronavírus na Bahia” [2]. Umas das principais medidas é a abertura de novos leitos clínicos e de UTI para antecipar a internação de pessoas já diagnosticadas com Covid-19. Desde o início da pandemia, foram criados 2.300 leitos em todo o estado.
As reuniões do governador com as prefeituras também envolvem um conflito iminente: alguns prefeitos têm tomado atitudes de flexibilização do isolamento, em alguns casos contrariando as orientações do governo estadual e do comitê científico do Consórcio Nordeste.
No boletim de 03/07 este Comitê indicou a necessidade de lockdown em Salvador, Feira de Santana, Teixeira de Freitas e Itabuna. O governo estadual, por sua vez, decretou recentemente “toque de recolher” em alguns municípios: em dez dos treze municípios da RMS e em mais 62 municípios, especialmente do interior. Tem havido também uma ampliação da suspensão dos transportes intermunicipais em 385 municípios do estado.
Cooperando com essas medidas, alguns prefeitos têm decretado também lockdown. Entretanto, outros têm implementado medidas de flexibilização do isolamento social, especialmente a abertura do comércio. O caso do prefeito de Itabuna, Fernando Gomes (PTC), ficou conhecido nacionalmente quando ele afirmou que abriria o comércio da cidade “morra quem morrer”.
Em Juazeiro, o comércio foi reaberto no início de junho, mas foi novamente fechado em menos de um mês por recomendação do MP-BA. Outro conflito se refere aos protocolos de tratamento. Em alguns municípios foram distribuídos para pessoas com sintomas o chamado “Kit Covid-19”, composto por hidroxicloroquina, ivermectina e azitromicina. O secretário de Saúde do estado se posicionou afirmando que a Secretaria Estadual não possui um protocolo que utilize esses medicamentos e que sua distribuição sem receita médica configura infração sanitária.
A tensão em torno da flexibilização do isolamento perpassa o cálculo político e eleitoral, já que alguns segmentos organizados do empresariado têm demandado a reabertura do comércio. Recentemente, “viralizou” um vídeo no qual um lojista pede aos prantos que as lojas sejam reabertas diante do prefeito de Salvador claramente constrangido, que tentará em novembro eleger seu sucessor.
No dia 07/07, o prefeito da capital e o governador do estado deram uma coletiva de imprensa em conjunto para apresentar um plano de abertura das atividades na cidade (Figura abaixo). O critério principal se fundamenta na taxa de ocupação dos leitos de UTI, mas também envolve outras medidas. Para a reabertura dos shoppings, por exemplo, o plano previa a testagem de todos os funcionários a cada 21 dias, o que gerou forte crítica das associações comerciais. Após as críticas, a prefeitura rebaixou as exigências e afirma estar em diálogo com as entidades da área.
Uma vez que o critério principal se tornou a taxa de ocupação de leitos de UTI, logo após a divulgação do plano, prefeitura e governo se apressaram para disponibilizar novos leitos, de modo a induzir a diminuição da taxa de ocupação e a antecipação desta reabertura, mas a taxa em Salvador permanece em 78%.
Esse critério é bastante limitado quando se compara à matriz de risco disponibilizada pelo comitê científico do Consórcio Nordeste, que envolve, além da tensão sobre o sistema de saúde, o fator de reprodutibilidade da doença, a situação local da epidemia e o isolamento social e a influência geográfica.
Apesar da relevante cooperação interfederativa estabelecida entre o governo do estado e as prefeituras municipais, em especial Salvador, e das diversas ações de enfrentamento à pandemia no estado, nota-se nesse momento uma ampliação dos conflitos e das tensões, especialmente por conta das medidas de flexibilização.
Embora o plano apresentado para a capital se baseie em um critério importante, que segundo o governador deverá ser utilizado nos demais municípios, ele claramente é resultado das pressões dos setores econômicos e da incapacidade dos governos de manter por muito mais tempo as medidas de isolamento social.
Referências bibliográficas:
[1] Ver matéria completa do G1: <https://g1.globo.com/ba/bahia/noticia/2020/07/06/cerca-de-30-cidades-da-ba-registram-crescimento-de-100percent-dos-casos-da-covid-19-efeito-sao-joao-diz-governador.ghtml> Acesso em 11/07/2020 às 10:14.
[2] Matéria completa no link: <seplan.ba.gov.br/2020/07/1670/Temos-que-estar-juntos-diz-Rui-Costa-apos-reuniao-com-31-prefeitos.html> 13/07/2020 às 18:26.