Este é o terceiro texto da 3ª edição do especial “Os governos estaduais e as ações de enfrentamento à pandemia no Brasil”, publicado entre os dias 13 e 17 de julho na página da ABCP. Acompanhe!
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Santa Catarina: a descentralização decisória e o iminente colapso do sistema de saúde
Nome do(a) autor(a): Tiago Daher Padovezi Borges
Instituições às quais o autor está vinculado: Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Titulação: Doutor em Ciência Política, na Universidade de São Paulo (USP)
Região: Sul
Governador (Partido): Carlos Moisés (PSL)
População: 7.164.788 (estimada em 2019)
Número de municípios: 295
Casos confirmados em 10/07/2020: 40.106
Óbitos confirmados em 10/07/2020: 459
Casos por 100 mil hab.: 559,8
Óbitos por 100 mil hab.: 6,4
* Por: Tiago Daher Padovezi Borges
Desde o início da pandemia do novo coronavírus (SARS-CoV-2), Santa Catarina atravessou diferentes momentos na evolução do contágio, na adoção de medidas de distanciamento social e na interação entre o governo estadual e as prefeituras.
Antes de qualquer coisa, é razoável supor que, para a compreensão das decisões e das omissões envolvidas, é fundamental se atentar para o contexto político local a partir de um pano de fundo comum em todos os estados: a persistente inércia federal na condução do enfrentamento.
É importante recapitular que Santa Catarina partiu de um expressivo êxito de medidas de isolamento e que, antes de boa parte dos estados, flexibilizou a restrição de atividades econômicas.
Logo no início do mês de abril [1], semanas depois do decreto de situação de emergência, o governo do Estado iniciou uma progressiva flexibilização das medidas de isolamento e, finalmente, no dia 08 de junho, autorizou o retorno do transporte público municipal e intermunicipal [2]. É importante destacar que, no período dessas decisões, o sistema de saúde do estado não mostrava sinais de colapso, contando, com aproximadamente 60% da ocupação de leitos de UTI [3].
Em relação à condução política, o que se verificou foi a descentralização decisória na condução do enfrentamento da pandemia nas últimas semanas, com uma redução de decretos e diretrizes estaduais e uma delegação cada vez maior aos municípios.
Assim, o governo estadual estabeleceu patamares mínimos de restrição, tendo o município autonomia para definir a adoção de medidas adicionais [4]. Ou seja, pensando nas responsabilidades envolvidas, a progressiva flexibilização foi acompanhada de uma delegação das impopulares decisões de restrições e isolamento social à esfera municipal.
Antes de explorar os possíveis fatores dessa postura, é importante apresentar um pouco da situação em que se encontra o estado em relação à contaminação, aos óbitos e à ocupação de leitos de UTI.
Em primeiro lugar, verifica-se um crescimento expressivo de casos nas últimas semanas em todas as regiões: observando apenas os meses de junho e julho, constata-se que o número de diagnósticos quase quadruplicou nas últimas cinco semanas, passando de 13.165 no dia 12 de junho para, no dia 10 de julho, para 40.106 [5].
Em segundo lugar, apesar do crescimento ser expressivo em todas as regiões do estado, ele tem sido proporcionalmente mais acentuado, principalmente, na região Foz do Rio Itajaí e, em seguida, na Grande Oeste [6]. Assim, mesmo com a “interiorização” da doença, é importante destacar que seus efeitos no litoral ainda são acentuados, o que fica claro quando c o alto constatamos o alto crescimento em municípios como Itajaí e Balneário Camboriú [7].
O crescimento do número de óbitos é também é expressivo: passando de 191, no dia 12 de junho, para 459, no dia 10 de julho. Apesar desse crescimento, a taxa de letalidade tem oscilado entre 1,45% e 1,16% [8]; valores que, mesmo longe de serem confortáveis, ainda são inferiores aos encontrados em outros estados.
De qualquer modo, hoje a maior preocupação do estado reside na ocupação de leitos, principalmente, da Grande Florianópolis e Foz do Rio Itajaí; regiões litorâneas próximas, que possuem aeroportos (Florianópolis e Navegantes) e um porto (Itajaí). Mesmo com diferenças entre as regiões, é importante destacar que o quadro de relativo conforto em relação à estrutura de saúde sucumbiu nas últimas semanas [9]. Ou seja, a situação da estrutura de saúde em algumas regiões está próxima do colapso.
Atualmente, apesar dessa situação, o que se constata é uma situação de poucas restrições nas atividades econômicas em todas as regiões do estado. Os municípios têm, majoritariamente, mantido os patamares mínimos de funcionamento das atividades econômicas, com algumas adaptações de horários e promoção de políticas de cuidados individuais (uso de máscaras e distanciamento social).
No fim do mês de junho, Florianópolis tentou impor restrições à algumas atividades, entretanto, poucos dias depois, a prefeitura voltou atrás em sua decisão, com a manutenção de restrições apenas em alguns dias e horários. De maneira geral, o que o que se verifica é uma postura de “preservação das atividades econômicas [10]”, com a adoção de adaptações no seu funcionamento.
Uma questão que se coloca é, afinal, o que leva à “não decisão” ou à tais ajustes incrementais na condução da pandemia, mesmo em seu momento mais crítico. Em uma situação de completa omissão por parte do governo federal, é importante pontuar a possível confluência de três elementos:
1. Mesmo com o aprendizado da experiência inicial, é provável que o retorno à restrição mais acentuada de atividades econômicas envolva custos elevados e distintos das primeiras medidas. Trata-se de um ônus que atinge às expectativas das pessoas em relação à retomada, à popularidade dos líderes políticos, além da necessidade de rearticulação entre esferas administrativas e setores da sociedade. E, principalmente, a decisão de retomada de restrições também pode impactar de maneira ainda mais dramática alguns setores econômicos, elevando os riscos de desemprego;
2. Apesar de ter conduzido as medidas iniciais de enfrentamento da pandemia, o governo estadual tem aparentado grande fragilidade nas últimas semanas, o que pode ser atribuído à um desgaste promovido pelo escândalo de irregularidades na compra de respiradores [11]. Sem uma coalizão sólida da ALESC e distante do governo federal [12], o governador Carlos Moisés (PSL) tem sido cada vez mais ausente;
3. Pelas movimentações recentes, é possível afirmar que a autonomia decisória conferida aos municípios tem dificultado a adoção de medidas mais restritivas. Com baixíssima capacidade de sanar efeitos econômicos negativos, não é de se estranhar que as prefeituras estejam postergando medidas mais rígidas ou optando por alterações incrementais; postura que parece ser ainda mais provável quando recordamos que estamos em um ano de eleições municipais.
Assim, no momento mais crítico de propagação no novo coronavírus, assistimos um acentuado desgaste das medidas de isolamento. A aproximação do colapso do sistema de saúde em algumas regiões fez acender a “luz vermelha”, gerando uma pressão antes inexistente no governo do estado e, principalmente, em algumas prefeituras.
Trata-se de uma situação que coloca “em xeque” a autonomia decisória conferida aos municípios. Com o anúncio do aumento de leitos de UTI nas regiões mais críticas, as próximas semanas serão cruciais para observar até que ponto esse tipo de condução é sustentável.
Referências bibliográficas:
[1] No dia 13 de abril, o governo do Estado autorizou a reabertura de shopping centers e academias. Em semanas anteriores, a retomada de outras atividades de serviços já havia sido permitida.
[2] Trata-se de uma autorização para a retomada, mas a decisão sobre o transporte público municipal caberia ao município. Em Florianópolis, por exemplo, o retorno desse serviço ocorreu apenas 17 de junho.
[3] Na data da decisão de autorização de retorno do transporte municipal o percentual de ocupação dos leitos do SUS era de 59,8%.
[4] Como afirma o governador: “Os municípios estarão à frente nessa gestão regionalizada no enfrentamento à Covid-19. O Estado entrega uma ferramenta aos municípios para que, como autoridades sanitárias locais, possam fazer o gerenciamento baseados na ciência, em dados. Assim, podemos ter ações desiguais em regiões e situações desiguais no Estado”. Fonte: https://ndmais.com.br/educacao/municipios-passam-a-ter-autonomia-para-definir-sobre-transporte-educacao-e-eventos/
[5] Tratam-se de valores acumulados
[6] Nessa região, utilizando as informações disponibilizadas pelo último relatório (10 de julho), Chapecó apresentava 2.747 casos (1247 por 100 mil habitantes). Concórdia, um município que chamou atenção pela alta incidência, na região do Meio Oeste Catarinense, contou com 1440 casos (1.929 por 100 mil habitantes). Fonte: http://www.coronavirus.sc.gov.br/wp-content/uploads/2020/07/boletim-epidemiologico-10-07-2020.pdf
[7] No último relatório (10 de julho), Itajaí contava 2. 260 casos (a taxa por 100 mil é de 1.029), enquanto Balneário Camboriú 2.475 (a taxa por 100 mil é de 1.739). Já em Florianópolis e Joinville, por exemplo, as taxas por 100 mil habitantes são, respectivamente, de 395 e 544.
[8] A taxa de letalidade é calculada pelo percentual obtido pela divisão do valor dos óbitos com os números de casos.
[10] Termo adotado pela prefeitura de Chapecó, na definição de suas atividades. Fonte: https://www.chapeco.sc.gov.br/noticia/2957/chapeco-anuncia-medidas-para-enfrentamento-a-covid-19
[11] Na denúncia em questão, estão sendo investigadas irregularidades na aquisição de 200 respiradores, por um valor de 33 milhões de reais. Fonte: https://g1.globo.com/sc/santa-catarina/noticia/2020/04/28/respiradores-comprados-por-sc-por-r-33-milhoes-tem-atraso-de-3-semanas-na-entrega.ghtml
[12] Nesse ponto, é importante pontuar que o governo Carlos Moisés optou por não construir uma coalizão de governo a partir das bancadas na ALESC. Além disso, também é conhecido o seu distanciamento em relação ao governo federal.