Comissão organizadora
- Leonardo Avritzer
- Carlos R. S. Milani
- Maria do Socorro Braga
- Maria Magna Ignácio
- Manoel Duarte Santos
Apresentação
Anais do 10° Encontro da ABCP – ISBN 978-85-66557-02-2
O tema geral do 10º Encontro da Associação Brasileira de Ciência Política, Ciência Política e a Política: Memória e Futuro, celebra os trinta anos de fundação da ABCP e os vinte anos de sua efetiva organização no âmbito nacional. Entre avanços e desafios que marcam o presente contexto da democracia brasileira, o 10º Encontro da ABCP pretende abordar as dimensões complexas e os aspectos contraditórios da relação entre a Ciência Política – campo de produção de conhecimento, de pesquisa e de ensino – e a Política em geral, esteja esta relacionada com as transformações da comunidade política e de suas instituições, com as relações de poder e os conflitos na sociedade, com as diferentes formas de ação coletiva e cooperação, ou ainda com as políticas públicas, seus processos decisórios, sua implementação e posterior avaliação.
O avanço da Ciência Política não implica ipso facto e necessariamente o desenvolvimento progressivo da Política. A contradição aqui diz respeito ao fato de que não há linearidade entre o avanço do saber científico e acadêmico, de um lado, e o campo da práxis política, de outro. A complexidade dessa relação existe porque são muitas as visões, epistemologias e ontologias sobre as duas áreas envolvidas. Portanto, são diversas as dimensões a serem descritas e analisadas ao se pensarem as relações entre Ciência Política e a Política.
Quando a Política é entendida como campo de conflito e cooperação, é de imediato confrontada com uma arena onde atuam os membros dos poderes Executivo, Legislativo e Judiciário, definindo parâmetros e normas institucionais para o convívio social e a gestão das diferenças e desigualdades na sociedade. Esta também é ator fundamental nesse processo, por meio das eleições e dos distintos mecanismos de participação social e de protesto. Como política pública, a Política se manifesta de maneira ainda mais visível e concreta, em projetos e ações que são desenvolvidas pelo Estado, com o intuito de atender o bem-estar geral, havendo aí um necessário compromisso com o interesse público. Nas relações entre políticas públicas e a Política, as primeiras podem sofrer limitações da segunda, mas uma política pública também pode gerar novos modos de representação social, novas identidades, interesses diversos e conflitos distributivos. Do mesmo modo, a conjuntura e a estrutura de forças do campo político também são relevantes para se saber quais, como e quando as políticas públicas são concebidas e postas em prática.
Sendo assim, é importante entender qual o papel da Ciência Política nesse contexto. Quais seriam os canais que colocam a academia em diálogo com os tomadores de decisão? Que relações existem, na democracia brasileira e, em perspectiva comparada, em outras democracias no Norte e no Sul, entre a produção de conhecimento e a formulação de políticas públicas? Como analisar a utilidade social e o impacto na política de pesquisas desenvolvidas por cientistas políticos? Que papel desempenham as instituições de fomento à pesquisa? Quem define as prioridades de uma política pública? E com base em quais critérios? A Ciência Política deveria focar-se na análise de algo já implementado ou em fase de implementação? Deve ser capaz de propor mudanças e servir como embasamento direto para o desenho de novas políticas? Deve prever comportamentos futuros visando à intervenção na realidade? A partir dessas e de outras questões, o 10º Encontro da ABCP fará um balanço da área no Brasil e no mundo, buscando um aprimoramento e procurando entender como funcionam as relações entre Ciência Política e a Política. A realização de um balanço da área contribui para a preservação da memória da Ciência Política, mas principalmente: constrói seu futuro.
A Ciência Política contemporânea escreve, descreve, analisa, infere e prescreve o passado e o presente a todo momento e, portanto, tem o dever de mostrar às futuras gerações de acadêmicos como se construiu o nosso mundo político com todas as suas complexas relações e particularidades. Ademais, preservar a memória e pensar o futuro da Ciência Política reforça o argumento da isenção científica e do rigor acadêmico na produção de conhecimentos e pesquisas, impedindo que certas preferências enviesem as narrativas.
Sem pretensão de exaustividade, a construção desse balanço no 10º Encontro da ABCP deve ocorrer em torno de, pelo menos, quatro eixos analíticos. O primeiro deles diz respeito à relação entre o tempo dos políticos e o tempo da pesquisa. Dentro do contexto da construção da narrativa, é importante ressaltar a curta projeção da qual os políticos geralmente são capazes. Salvo exceções, seus atos não são pensados de maneira a durar por longo tempo ou não são, de regra, projetos de larga escala. O comportamento dos atores políticos está, muitas das vezes, relacionado às suas ambições imediatas de acesso ao poder político (ou continuidade) por meio dos processos eleitorais. Em muitos casos, eles podem pensar em políticas para se elegerem, ou ainda aguardam o veredicto das urnas para defenderem determinadas políticas públicas. Em contrapartida, em alguns casos, cientistas políticos desenvolvem pesquisas de longo alcance cujos resultados lhes permitem construir diagnósticos dos problemas sociais a partir dos quais políticas públicas deverão ser pensadas e implementadas. Dotados de recursos cognitivos e metodológicos, hábitos institucionais, linguagens próprias e compartilhadas, os/as cientistas políticos/as constituíram um campo próprio do conhecimento da Política. Os objetos e questões de pesquisa são investigados cada vez mais com repertórios teórico-metodológicos sofisticados, cujos desenhos de pesquisa são mais precisos e parcimoniosos. Com o rigor científico dos métodos quantitativos e qualitativos usados para checar empiricamente as hipóteses aferidas ou para gerar novas hipóteses, amplos avanços vêm sendo alcançados pelas diversas linhas de pesquisa que conformam a Ciência Política brasileira e mundial.
O segundo eixo analítico concerne à relação entre as instituições e a comunidade política, e entre estas e a sociedade civil. As instituições são importantes pelo fato de somente elas poderem tornar mais previsíveis o cenário político, dando mais clareza e diminuindo o grau de incerteza e os custos de transação inerentes a este cenário. As instituições, então, servem como regras que são estabelecidas para resolver conflitos causados pela diversidade de ideias, preferências e alinhamentos. O que a instituição faz, no caso, é limitar o poder humano, estipulando como o campo político deve funcionar e até onde pode atuar o tomador de decisão. Mas como se renovam? Qual o papel da Ciência Política nesse sentido? Como as instituições políticas reagem aos protestos das ruas e às demandas dos movimentos sociais e das organizações da sociedade civil? Qual o papel da mídia nesse processo? Logo, a Ciência Política, dentre tantos outros objetivos, visa a pensar o controle da política em si e definir modelos por meio dos quais as demandas da sociedade podem ser geridas. A partir do estudo de como o governo atua, busca entender se o governo procura proteger o bem-estar coletivo, ou se é pautado pela governabilidade. A Ciência Política pode (deve?) adotar uma visão crítica para também interpretar resultados e ter o poder de afirmar o que é passível de reformulação, de inovação e de transformação mais profunda na vida política em geral. Esse poder é conferido à Ciência Política por seu status de ciência que informa e avalia o processo decisório e seu contexto, mas também analisa as causas e os efeitos da decisão política.
O terceiro eixo aqui proposto enfatiza a democratização e as relações entre Ciência Política e a Política, no Brasil e em vários outros países latino-americanos. É interessante notar que, durante a ditadura militar no Brasil, houve muitos casos de pesquisadores-militantes que receberam bolsas de estudo, principalmente provenientes da Fundação Ford, em universidades como a então recém criada FLACSO, mas também em Harvard, Cornell, Michigan, Berkeley, MIT e Stanford, passando, assim, da militância para a academia. Isso contribuiu para que houvesse um maior estreitamento, décadas depois, entre a teoria e a prática política, unindo a experiência militante com a academia. Graças a muitos desses bolsistas, a Ciência Política foi-se construindo, no Brasil, em programas de pós-graduação, como no antigo IUPERJ, onde foi criada, em 1966, a revista Dados – Revista de Ciências Sociais. Antes da década de 1970, a UFMG já tinha um programa em Ciência Política, mas nos anos 1970 e 1980 foram criados outros em São Paulo, Porto Alegre, Pernambuco e Brasília. Em 1977 foi fundada a ANPOCS – Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais. Esses fatos demonstram que a área é muito nova no Brasil, havendo não mais que três gerações de acadêmicos e pesquisadores que ainda coexistem.
Muitos países latino-americanos, cujas trajetórias de desenvolvimento e inserção internacional em muito se assemelham ao caminho percorrido pelo Brasil, passaram recentemente por ditaduras, protestos sociais, abertura democrática, períodos de ajuste econômico segundo os cânones das agências internacionais, tentativa de controle e hegemonização de suas respectivas políticas externas – aspectos que contribuíram para gerar, por assim dizer, uma história comum. A área de Ciência Política se expande no país e na América Latina, havendo cada vez mais laços entre os países da região, possibilitando um estreitamento e uma internacionalização da academia. Não obstante, a Ciência Política brasileira ainda tem de ampliar seus vínculos em relação à produção acadêmica, aos diálogos entre intelectuais e à definição de projetos comuns entre cientistas políticos na América Latina. Um dos indicadores da baixa densidade dos vínculos entre a Ciência Política brasileira e latino-americana pode ser observado no exame das bibliografias dos cursos ministrados pela Pós-Graduação no Brasil, onde há pouca referência a autores da região. Outros indicadores que poderiam ser analisados seriam as parcerias acadêmicas ou os projetos de intercâmbio regional. Desde 2002, a ALACIP tem cumprido papel central na aproximação entre cientistas políticos da região.
O mesmo argumento poderia ser aplicado ao caso de outras realidades de países em desenvolvimento, a exemplo da África do Sul, da Índia, da Turquia, entre outros. Por razões históricas, institucionais e científicas – mas também em função de preferências e mentalidades individuais e coletivas – o diálogo acadêmico em Ciência Política tem sido mais dinâmico entre Brasil, Estados Unidos e países europeus.
Finalmente, o quarto eixo analítico poderia analisar a noção mais ampla de responsabilidade da Ciência Política. A Ciência Política pode contribuir para definir a forma de agir do Estado e dos políticos, pode criticar e sugerir alternativas. Com argumento de autoridade, pode indicar caminhos para que se atinja o bem-estar geral, para que se construam e reconstruam instituições que sejam mais justas, eficazes e eficientes. Sem precisar temer represálias a suas análises, a Ciência Política pode (deve?) dizer qual é a sua versão da verdade aos poderes, e não apenas repetir e legitimar a verdade desses poderes. Outra responsabilidade da Ciência Política é contribuir para o desenvolvimento de cidadãos críticos, politicamente conscientes de seu papel na sociedade e do seu comportamento responsável na esfera pública. Quanto maior a participação política e mais intenso o engajamento associativo dos cidadãos, maior a inteligibilidade do indivíduo sobre o seu poder de influenciar e afetar as esferas de poder institucionalizado.
É com base nesse conjunto de ideias e hipóteses aqui lançadas que a ABCP realiza e promove o seu 10º Encontro. A Associação espera que, no âmbito das Áreas Temáticas e do conjunto de Conferências, Sessões Especiais e Mesas Redondas que serão organizadas entre os dias 30 de agosto e 2 de setembro de 2016, seus associados e associadas, bem como participantes e convidados de outros países, possam dialogar criticamente, aprofundar conhecimentos, intercambiar resultados de projetos, definir novas agendas de pesquisa e, portanto, contribuir, entre outros, para o avanço da democracia brasileira.
- Realização
- Organização
- Apoio institucional
Informações
30/08/2016 a 02/09/2016
Av. Cristiano Machado, 4001
Ipiranga
Belo Horizonte-MG
31160-342
Brasil