CIÊNCIA POLÍTICA E POVOS INDÍGENAS

Autor: Leonardo Barros Soares1

No momento em que os povos indígenas brasileiros se reúnem, em Brasília, na maior mobilização de atos de protesto desde o processo constituinte, é com grande honra que apresentamos aos associados da ABCP os primeiros textos que farão parte de um repositório de textos acadêmicos sobre as relações entre ciência política e povos indígenas.

A ciência política brasileira pouco se interessou pelas questões relativas aos povos indígenas brasileiros e de outros países ao longo das décadas em que se institucionalizou. É chegada a hora de dar fim a essa negligência histórica injustificável. O presente repositório se inspira na experiência da Canadian Political Science Association (CPSA) que, de forma pioneira, estabeleceu um comitê para a reconciliação com os povos indígenas do país que, dentre outras atividades, mantém um syllabus colaborativo com uma série de textos de cientistas políticos canadenses e de outros países – alguns indígenas – que discutem ativamente questões tais como política de reconhecimento territorial, soberania, autodeterminação, feminismo indígena, constitucionalismo aborígene, direitos territoriais, culturais, linguísticos, associativismo étnico, para citarmos apenas alguns temas.

Nosso projeto é mais modesto, no sentido de que tem a intenção de iniciar um debate mais consistente e sistemático entre nossos/nossas colegas cientistas políticos/políticas a partir de textos traduzidos dos mundos francófono e anglófono, com destaque para as produções canadenses e norte-americanas. Com isso objetivamos, por um lado, alcançar professores de ciência política que almejam iniciar alguma discussão sobre o tema em sala de aula e, por outro, alunos e alunas de graduação e pós-graduação, que terão acesso a textos em português.

À guisa de textos iniciais apresentamos, em primeiro lugar, uma entrevista com Joyce Green, cientista política indígena professora da University of Regina, no Canadá, e co-coordenadora do comitê de reconciliação com povos indígenas da CPSA. Nela, a professora apresenta a ideia inicial do comitê e fornece alguns insights básicos da experiência canadense para que possamos, quem sabe, nos inspirar. Também trazemos a entrevista com professor Christopher Alcantara, da Western University, Canadá, já publicada anteriormente na Revista de Estudos e Pesquisas sobre as Américas da Universidade de Brasília, que gentilmente nos autorizou sua republicação.

O primeiro texto traduzido e apresentado à comunidade acadêmica brasileira é intitulado “Unsettling lessons: teaching indigenous politics and settler colonialism in political Science”, de autoria da professora Nancy D. Wadsworth, da University of Denver, nos Estados Unidos. Acreditamos que o texto é fundamental para nossos propósitos ao se dirigir especialmente aos docentes e apresentar algumas estratégias de abordagem do tema indígena em sala de aula. Como referimos acima, esse é um dos pontos centrais de nosso projeto: a temática indígena só ganhará cidadania no interior do campo da ciência política a partir do momento em que seus praticantes passem a abordá-la a partir dos referenciais teóricos e metodológicos caros ao campo.

Outros textos serão publicados ao longo de 2021 e 2022. Esperamos que esse pontapé inicial sirva para inspirar os leitores e leitoras para quem sabe, num futuro próximo, comecemos a preencher o repositório com textos produzidos por nossa comunidade científica.

As traduções ofertadas ao público são fruto de um esforço coletivo de nosso Grupo de Pesquisa cadastrado no CNPq denominado “Política e Povos Indígenas nas Américas” (POPIAM), sediado na Universidade Federal do Pará. Trata-se de um grupo multidisciplinar composto por alunos e alunas da graduação e de pós-graduação de diversas instituições de ensino superior do país, além de contar com colegas indigenistas especializados que trabalham na Fundação Nacional do Índio (FUNAI). No biênio 2020-2021 fazem parte do grupo: Ana Paula Alvares Costa, Catarina Chaves Costa, Marina de Barros Fonseca, Fabricio César da Costa Rodrigues, Yasmin Nascimento Moita, Matheus Castelo Branco Dias, Joseane Ferreira Mota, Luiza Brilhante Bezerra e Victor Amaral Costa.

Não poderia deixar de encerrar esse texto de apresentação agradecendo à diretoria da ABCP (biênio 2021-2022) pelo espaço para esse projeto. Creio que não é exagero dizer que se trata de um marco para a ciência política nacional, e a abertura e o apoio concreto da gestão para sua consecução devem ser ressaltados. Agradeço, portanto, na pessoa da professora Dra. Luciana Veiga, presidenta da ABCP, a todos que compõem a diretoria da atual gestão de nossa associação.       

  1. Prof.Dr. Leonardo Barros Soares
    Mestre e Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de Minas Gerais. Professor Adjunto do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e da Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal do Pará (UFPA). Coordenador do Grupo de Pesquisa Política e Povos Indígenas nas Américas (POPIAM). E-mail: leobarros@ufpa.br/leobarros.prodep@gmail.com.
    Foto que ilustra o texto é da APIB – Associação dos Povos Indígenas do Brasil e pode ser acessada na versão original neste link: ↩︎
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